11 julho, 2008

Comentando Velvet Elvis, p.1



Dentre os movimentos recentes no cristianismo, um que tem recebido grande destaque é, sem dúvida, a Igreja Emergente. Esse movimento é caracterizado (de forma extremamente resumida e simplificada por mim) pela tentativa de contextualizar as mensagens bíblicas para um mundo pós-moderno. Um dos expoentes desse movimento é o Pastor Rob Bell, da Mars Hill Bible Church, em Grandville, Michiga, Estados Unidos. Ele é mais conhecido pelos vídeos Nooma (curtas-metragens abordando temas espirituais a partir de perspectivas e experiências de vida individuais), suas turnês de pregações (Everything is Spiritual, the gods aren’t angry) e seus livros (Velvet Elvis: Repainting the Christian Faith e Sex God: Exploring the Endless Connections between Sexuality and Spirituality).

Com a leitura de seu primeiro livro, Velvet Elvis, muitas coisas tem se passado em minha cabeça, algumas boas e algumas ruins. Desse início, infelizmente o que mais me marcou foi algo ruim, mas espero que a situação mude. Eis o que achei de ruim, e em seguida, minha tentativa de explicar o que penso. Não é uma questão de emergentes contra calvinistas, muito pelo contrário, creio que uns podem aprender com os outros. Quero, antes, estabelecer uma comunicação.

Prossigamos.

“E se amanhã alguém desenterrar provas definitivas de que Jesus teve um pai biológico real e terreno chamado Larry, e os arqueólogos achassem a sepultura de Larry e fizessem testes de DNA e provassem sem nenhuma sobra de dúvidas que o nascimento virginal foi apenas um pouco de mitologia que os escritores dos Evangelhos lançaram para fazer apelo aos seguidores dos cultos religiosos a Mitra e a Dionísio, muito populares nos tempos de Jesus, cujos deuses tiveram nascimentos virginais? Mas e se, ao estudar a origem da palavra “virgem” você descobrisse que a palavra “virgem” no evangelho de Mateus vem do livro de Isaías, e então você descobre que na língua hebraica da época, a palavra “virgem” poderia significar uma série de coisas. E se você descobrisse que no primeiro século, ser “nascido de uma virgem” também fosse usado para falar da criança cuja mãe ficou grávida na primeira vez que teve relações sexuais?”
- Rob Bell, Velvet Elvis, p. 26 (tradução minha)

Para não tirar as palavras de contexto, e caso você nunca tenha lido esse livro, Rob Bell está falando aqui de uma comparação que ele faz dos dogmas do Cristianismo às molas de um trampolim. Ele diz que cada um dos dogmas é como um ponto da ortodoxia. Ao dizer isso, ele faz um contraste com uma parede de tijolos – pois às vezes a forma como as coisas são postas em perspectiva impede questionamentos: Se cada ponto da ortodoxia cristã é como um tijolo que compõe a parede, se um deles for tirado, a parede cai. Já se cada ponto for como uma mola do trampolim, na cabeça de Bell as coisas podem continuar bem, pelo seguinte: um tijolo é rígido, e ao sofrer pressão, se quebra. Já a mola não, ao sofrer qualquer tipo de pressão ela se adapta, contraindo ou esticando.

Entenderam? É, eu imaginei.

Mas vamos continuar. Bell começa sua argumentação falando sobre a doutrina da Trindade. Qualquer aluno de EBD (de uma boa EBD, claro) sabe que a doutrina é facilmente sustentada através de diversas passagens tanto do antigo quanto do novo testamento, mesmo que a palavra em si (trindade) nunca tenha sido mencionada nas Escrituras. E embora o termo tenha demorado a aparecer oficialmente no cristianismo[1], o conceito esteve sempre lá. E por sempre, eu quero dizer desde a eternidade, pois, sempre foi, e é, e será. Amém.

Embora algumas dúvidas sejam lançadas por Bell acerca da Trindade, o que realmente me chocou foi a abordagem a respeito do nascimento virginal, por dois motivos: em primeiro lugar, o tom jocoso, desonroso e irresponsável com o qual ele fala e brinca com o assunto. Em segundo lugar, foi o fato dele ter misturado profecia e cumprimento profético com doutrina. Isso sem falar na falta de pensamento lógico.

Explico.

Ao falarmos da Trindade[2], estamos falando de doutrina, pois apesar do conceito sempre ter estado lá, o termo em si foi cunhado algumas centenas de anos após o encerramento da Revelação e Inspiração de Deus aos autores bíblicos. Mas ao falarmos de nascimento virginal, estamos falando de um fundamento basilar para a fé cristã, prometido de maneira profética em Isaías (Isaías 7:14) e cumprido de forma milagrosa em Cristo. Cristo só é quem é por ser filho legítimo de Deus. Caso Cristo tivesse Larry como pai, muita coisa mudaria: Ele não seria o menino-Deus, o Emanuel. Não sendo divino, ele não traria em si os requisitos necessários[3] para cumprir a obra redentora na Cruz, pois seria um homem qualquer. Isso sem mencionar os milagres que não teria cometido, claro. Dessa forma, não haveria motivo para que fosse ressurreto após a morte, e continuaria morto. Somente o Deus encarnado poderia fazer isso. Não o filho de Larry.

Além disso, isso nos levaria a outro problema: caso o filho de Larry recebesse uma benção especial de Deus para fazer aquilo que fez (você sabe... andar sobre as águas, curar cegos e leprosos, ressuscitar homens, receber a culpa de todo pecado e ainda ressuscitar após três dias), então não temos razão para duvidar que outras pessoas poderiam receber a mesma “unção”. Quem sabe Inri Cristo não é de fato quem ele alega ser? Afinal, se o filho de Larry pôde...

Você entende? Sem muito esforço, a questão se torna um problema de lógica, e isso nos deixa em maus lençóis.

Bell ainda tenta argumentar sobre o real significado da palavra virgem. Nas palavras de Gordon Haddon Clark[4], “eruditos incrédulos têm tentado negar que a palavra hebraica almah possa significar virgem. Aqui dois pontos devem ser notados: (1) não há nenhuma passagem no Antigo Testamento onde almah não possa significar virgem, embora em um caso o status da garota não tenha se tornado explícito; (2) Mateus traduz almah como parthenos, e Mateus conhecia ambas as línguas suficientemente para traduzi-la corretamente. Parthenos deve significar virgem. Então, mais conclusivamente, a Septuaginta, traduzida pelos judeus alexandrinos mais de um século antes de Cristo, usa parthenos para almah na passagem que Mateus cita. Sem dar crédito à acusação de que Mateus distorceu o Antigo Testamento para favorecer o Cristianismo, um cristão pode replicar que os judeus alexandrinos não tinham tal parcialidade. Nem eles podem ser acusados de ignorância quanto ao hebraico e o grego.”[5]

Assistindo aos vídeos de Rob Bell e lendo seu material, não dá para negar que realmente há coisas interessantes e relevantes sendo ditas por ele. O problema, a meu ver, é quando a vontade de ser relevante excede a necessidade de ser fiel às verdades atemporais do cristianismo, pois a pós-modernidade, assim como todas as outras eras e épocas vividas pelo homem, há de passar. Mas a Palavra de Deus é constante. Ou, como Jesus disse, “passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão” (Marcos 13:31).


[1] Para um apanhado incompleto, porém bem interessante a respeito da doutrina da Trindade, clique aqui.

[2] O verbete sobre tindade no Wikipédia é bem interessante: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sant%C3%ADssima_Trindade, embora talvez você queira procurar algo mais substancial, ao que indico uma boa Teologia Sistemática.

[3] Ser santo, irrepreensível, sem mácula ou mancha, sem pecado.

[4] Gordon Haddon Clark (31.08.1902 – 09.04.1985) foi um filósofo e teólogo calvinista americano. Era um advogado fervoroso da apologética pressuposicional e foi chefe do departamento de filosofia da Universidade Butler por 28 anos. Era um expert em filosofia pré-Socrática e antiga e era notado por seu rigor ao defender a revelação proposicional contra todas as formas de empiricismo e racionalismo, ao argumentar que toda verdade é proposicional e ao aplicar as leis da lógica. Sua teoria do conhecimento é às vezes chamada de escrituralismo.

[5] Para uma leitura integral do artigo de Gordon Clark, acesse http://www.monergismo.com/textos/cristologia/expiacao_cap6_clark.pdf

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Paz Eduardo e Banda,

Olha conheço um pouco da igreja emergente pelo que leio dos blogs dos EUA. A idéia de igrejas caseiras (congregacionais) eu até concordo, mas relativismo teológico não dá para engolir. Isto resulta em inúmeros erros teológicos, como os citados no artigo. E, logo (se já não é o caso), irão começar a achar que a bíblia é um livro qualquer.

Ouvi o EP. MUITO BOM! Gostei muito mesmo.

No Amor e na Verdade que nos une,
Vini
http://br.youtube.com/7vini
http://7vini.blogspot.com

9:14 AM  
Blogger Daniel said...

Olá Eduardo! Houve uma parte 2 acerca desse assunto?

3:22 PM  

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